Um artigo de Lucas Morales.
“O ato de escrever é o ato de compartilhar uma parte de sua alma com o mundo”.
– Autor desconhecido.
Até pouco tempo atrás, eu era daqueles que enxergavam a escrita como um puro e simples dom. Não que ter um dom seja algo simplório e banal. Mas pensava que o dom da escrita era uma dádiva distribuída para poucos, e praticamente inalcançável a nós, reles mortais; de modo que não demandava práticas ou nem mesmo técnicas de aperfeiçoamento. Colocar palavras no papel e tocar a imaginação do leitor, apenas com um amalgama de letras pretas em um papel em branco? Isso não é para qualquer um, e, assim sendo, àqueles que nasceram com essa aptidão natural, bastaria sentar na cadeira e deixar fluir suas ideias perfeitas e capazes de transformar a vida de quem as decifraria.
Mas que bom que não é exatamente assim. Existem sim aqueles que nasceram para a escrita; Cora Coralina está aí para nos provar isso. Acha que aquela senhorinha goiana fez cursos de oficina literária, maratonou vídeos dos coaches que ensinam a escrever um romance em um mês, ou iniciou a sua carreira postando fanfics eróticas no Wattpad? É claro que não. Entre um docinho e outro (afinal, era doceira de profissão), ela compunha um poema ou um conto, expondo sua vida simples, seus pontos de vista, e relatando o dia a dia de seus conterrâneos. Cora Coralina nasceu para ser escritora, seu dom pulsava todos os dias em seu peito, e mesmo sem entender quase nada de gramática, ela pegava papel e caneta e organizava as letrinhas monocromáticas sobre uma superfície lisa, ausente de imagens, glitters chamativos ou músicas virais como pano de fundo.
E é aí que está o pulo do gato: havia um chamado dentro dela, e ela o ouviu, e hoje existe até um museu com o seu nome. Cora Coralina atendeu ao chamado, que veio aos 14 anos, quando publicou os seus primeiros textos. Somente com 76 anos é que seu primeiro livro foi publicado. Mesmo tendo nascido para ser escritora, precisou enfrentar uma longa e árdua jornada para no fim retornar com o elixir, ou seja, receber o devido reconhecimento por seu dom.
Todos nós, sem exceção, podemos enfrentar essa jornada. Basta atender ao chamado e segui-lo. Hoje vejo que escrever é como qualquer outra atividade, seja artística ou até esportiva. Alguns, como a mencionada poetisa, desde sempre apresentarão uma maior facilidade, não precisarão ser experts em gramática ou ter lido uma infinidade de livros sobre a arte da escrita, sobre como construir bons diálogos, sobre a estrutura de um roteiro ou a jornada do herói. Tolkien, por exemplo, fixou seu nome na história sem nem concordar com ela.
Quando você se levanta do sofá, limpa aquelas migalhas da pizza que estava comendo, depois entra no banheiro e, já pelado, aguardando o chuveiro esquentar, seus olhos batem no espelho, e você pensa: ‘putz, preciso voltar urgentemente para a academia!’ Isso é um chamado, que surge todo sábado à noite, prometendo uma jornada que sempre se iniciará na segunda; mas que pouquíssimos aceitam e se dispõem a enfrentar.
Dos poucos que fazem isso, alguns vislumbrarão uma melhora física e mental nas primeiras semanas. Descobrirão que nasceram para isso. Sua genética maromba estava ali guardada, dormitando; porém desde sempre disposta a acordar e florescer, sem precisar de doses cavalares de creatina e whey protein; de vinte ovos no café da manhã, ou muito menos de “fazer amor com o suco”. Entretanto, outros, e eu me incluo nesse grupo, sofrerão por meses e até anos, até que o primeiro muque surja delineado, após um esforço monumental para flexionar o bíceps e quase desmaiar ao transferir todo o sangue para aquela região.
E dessa parte da jornada, outros dois grupos serão divididos: aqueles que desistirão, pois os resultados esperados estão longe de acontecer; e aqueles que persistirão até que, algum dia, quando se olharem no espelho despretensiosamente, poderão enfim notar a pontinha do bíceps se apresentando com mais facilidade, mesmo sem precisar retesá-lo como um gorila exibicionista.
Tudo na vida se resume a isso. Se resume às jornadas e escolhas, desistências e perseveranças. Inclusive a escrita. O escritor profissional não é mais do que o escritor amador que aceitou o chamado e adentrou na aventura. Assim como o fisiculturista e aquele que treina apenas por hobby, ou o guitarrista daquela banda que você ama e o seu tio que sempre toca Legião Urbana nos churrascos de família. A diferença que os separa é sempre a mesma: uma longa e árdua jornada, aceita por aqueles, e recusada pelos outros; recheada de mentores e aprendizados, de pessoas ou situações desmotivadoras (guardiões do limiar), de inimigos a serem combatidos (como a preguiça, o medo ou até as dificuldades financeiras), de aliados feitos pelo caminho e etc. Até, finalmente, lograr a tão esperada recompensa (seja ela qual for).
Todo escritor é herói de sua própria história, e como herói, sempre terá uma jornada para enfrentar. E mesmo os que nasceram para ela, precisarão se preparar, treinar, estudar, e até aguardar por muito tempo, até que ela finalmente se conclua. A diferença, como eu disse, está entre os que dela desistem, e os que nela persistem. Para estes, tenho certeza, a recompensa sempre virá. Quando duvidar disso, dê uma olhada na vida de Cora Coralina, de José Saramago e até mesmo de Tolkien, dentre vários outros. Grandes e lendários escritores que retornaram com o elixir (tornaram-se notórios) somente depois da terceira idade, e está tudo bem. Eles não desistiram, e é isso que importa.
Esse, por exemplo, é o meu primeiro texto aqui neste blog. Escrever para ele faz parte de uma aventura, cujo arauto foi o meu mestre de RPG, que também é o cofundador desse incrível projeto. Eu aceitei a aventura, e cá estou dando o primeiro passo. O primeiro, espero, de vários outros. Basta persistir e tentar sempre melhorar.
Sendo assim, se há em você a semente da escrita, o arauto da consciência que te invoca todos os dias para o desenvolvimento desta arte nobre e milenar, não hesite, aceite o chamado e mergulhe nesta aventura. Coloque a primeira letra negra na folha de papel em branco, e deixe-a florescer. Uma planta sempre surgirá, às vezes naturalmente linda e formosa; porém, na maioria das vezes, brotará necessitando de reparos e muito adubo para continuar crescendo. O importante é: continue regando-a, pois, certamente, algum fruto ela lhe ofertará, mesmo que o simples sabor da experiência de como foi tê-la plantado.”
Lucas é um orgulhoso mineiro, nascido e criado em Uberaba. Formado em Direito, com pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal, ele está atualmente seguindo outra paixão e cursando Licenciatura em História.
Lucas é o autor de As Crônicas da Morte | Os 13 Ensaios onde ele nos apresenta a história de Argon, um adolescente comum preocupado com questões triviais, como vestibular e primeiro amor. No entanto, sua vida dá uma reviravolta quando é convocado por um espírito de outro mundo e dimensão para uma aventura épica. Ele descobre que deve se tornar o Guardião e protetor de todas as vidas em um planeta distante. Para assumir esse papel, Argon enfrentará 13 desafios mortais, os “Ensaios”, que irão testar sua virtude e coragem. Através desta história, o leitor acompanhará a jornada de Argon, suas decisões difíceis e como ele enfrentou os “13 Ensaios”.

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