A sobrevivente na terra desconhecida: Memórias de Luz e Trevas

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A noite estava chegando, e isso não era bom, com ela o frio viria junto. Não sabia de muitas coisas desse mundo, mas não esquecia os nomes que chegou a conhecer, lembrava que o Criador, chamou a escuridão de “noite”, e a claridade de “dia”. Se sentia bem, contemplando a noite. Se agradava do brilho das estrelas. O luminar menor que governava o céu à noite, não incomodava tanto a pele como o luminar maior que governava o dia. “estrelas” e “céu” outras palavras que havia aprendido com o Criador. 

Por instinto sabia que o frio da noite poderia acabar com a sua vida. Precisava, assim como os animais do campo, encontrar um abrigo para se proteger.

Havia acabado de coletar frutas para o desjejum da manhã seguinte, e resolveu voltar para a caverna onde passou a noite anterior. Torcia para que nenhum animal feroz a tivesse tomado para si.

Estava só nesse novo mundo, esta não era a sua terra natal, foi expulsa de seu lar recentemente, não entendia muito bem o motivo, mas desde então se viu tendo que viver sozinha. De onde veio, “O Jardim” como ela chamava, não precisava se preocupar com a própria segurança. Já nesta nova terra, viver parecia ser mais difícil, precisava todas as manhãs coletar seus alimentos, além de se proteger contra os animais selvagens predadores, que aqui eram muitos mais hostis. Durante o dia sentia a luz castigando a sua pele, e à noite percebia os animais noturnos caçando presas menores e mais fracas, por isso aprendeu que era necessário se abrigar, e evitar qualquer animal maior que se alimentasse de outros animais.

Além da insegurança por estar só, o que mais sentia falta era de alguém com quem conversar, com quem pudesse aprender, trocar experiências e afeto.

  Lembrava que o Criador foi o primeiro a se ausentar. Tanto ela como o Homem o procuraram por muito tempo, mas não o encontraram em nenhum lugar. Não respondia mesmo quando eles de olhos fechados clamavam por seu nome. Tempos depois o Homem a afastou em um ataque de fúria. A proibiu de entrar no Jardim, e ela foi afastada de sua terra natal, condenada a viver nesta nova terra do outro lado dos portões.

De repente percebeu que precisava parar de pensar no passado, se apressou em voltar pelo caminho até a caverna, sabia que ao escurecer ficaria mais difícil chegar até o local e poderia facilmente se perder. Apesar de estar rodeada de árvores, sabia a direção que deveria seguir. A montanha onde vinha se abrigando era tão alta, que de onde estava, podia ver o seu cume por sobre as copas das árvores.

Sentia algo mexer dentro de si, colocou as frutas que havia coletado sob uma pedra mais alta, e passou a mão sobre a barriga. Percebeu que ela parecia estar aumentando a cada dia, e algo dentro dela se mexia de tempos em tempos, como se estivesse empurrando de dentro para fora, percebeu também que sua fome habitual havia aumentado, estava sentindo a necessidade de colher mais frutas que o costume, pois comia-as todas e não se fartava. Não tinha tempo para pensar nisso, já estava escuro e agora ela precisaria caminhar sem fazer barulho, a caverna já estava próxima, e ela teria que conferir se a mesma continuava vazia antes de entrar. 

Neste momento percebeu um brilho no céu. Era algo diferente, parecia brilhar mais que as demais estrelas, e estava deixando um rastro acima das nuvens. Notou que ele parecia aumentar enquanto se deslocava caindo em direção a base da montanha, até aparentemente se chocar com ela e apagar. Passado alguns instantes sentiu o chão sob seus pés tremer, e um som alto chegou a seus ouvidos. 

Ficou assustada. Que som seria esse? Alguma fera desconhecida? Só o que conseguia pensar era em correr para se abrigar. E foi o que fez, abraçou as frutas contra os seios e começou a correr desejando que não deixasse nenhuma cair durante o percurso.

O medo a fez correr rápido e conseguiu manter o ritmo por um tempo maior do que conseguiria normalmente, mas conforme estava se aproximando da base da montanha o cansaço finalmente bateu. Parou um pouco para recuperar o fôlego e diminuiu o passo.

À medida que contornava a base da montanha em direção a caverna percebeu que havia uma luz vindo desta. Um enorme buraco no chão a pouca distância da entrada da sua caverna tinha se formado. Toda a área estava fumaçando. Ao se aproximar percebeu que o chão ao redor estava quente, e algumas pedras pareciam brilhar e emitir calor. Teria sido este buraco criado pela luz que cortou o céu e caiu? Temeu por sua segurança ao imaginar que aquilo poderia lhe fazer algum mal.

Enquanto caminhava percebeu que a fumaça estava se dissipando. Havia algo no seu centro. Seria este um animal vindo do céu? Foi se aproximando devagar e silenciosamente, precisava passar por aquilo, seja lá o que fosse, para poder entrar em sua caverna. Percebeu que o que havia em seu centro não era um animal, parecia um ser, uma fêmea, uma mulher, assim como ela mesma.

Ficou confusa. Além de si mesma, e do primeiro Homem, nunca havia visto criaturas semelhantes a eles. Sentiu algo estranho, um sentimento novo, pois até então não havia visto um semelhante em tal situação, sentiu a necessidade de ajudar. Mas será que ela ainda estava viva? Se aproximou temerosamente. Pensou que deveria fazer algo, ao mesmo tempo que estava com medo. Seus instintos estavam em conflito quanto a se compadecer e ajudar, e correr para longe do desconhecido, para própria segurança. Por algum motivo que ela não entendeu, a vontade de ajudar prevaleceu. Se aproximou dela com o intuito de acudir. A fêmea estava em um estado deplorável, havia muito sangue, muitas partes do corpo estavam queimadas, com resquícios de fumaça ainda saindo. Pelo que viu, pensou que ela estava morta.

Já havia visto animais no campo, e sabia que quando mortos a batida no peito, característica dos seres que estavam vivos, cessava. Pensou em tentar se aproximar e colocar a cabeça sobre o corpo da fêmea, um pouco abaixo do ombro esquerdo, se ela estivesse morta não haveria batidas.

Cuidadosamente se inclinou, e encostou seu rosto um pouco acima do seio esquerdo dela. Sentiu o sangue pegajoso encostando em sua face. Enquanto estava com a cabeça reclinada sobre ela, por um longo tempo não ouviu nada, além de um profundo silêncio. Quando estava prestes a desistir, escutou uma batida, ou seria imaginação? Prendeu a respiração e fechou os olhos para se concentrar. Percebeu que haviam batidas naquele peito. Muito espaçadas entre si, e tão baixas que mal se conseguia ouvir.

Rapidamente foi até a caverna. As pedras que ainda estavam brilhando em brasa na entrada da caverna a iluminavam, e foi possível ver que não havia nenhum animal selvagem dentro dela. Deixou as frutas no chão, pegou alguns cipós de árvore que estavam espalhados pelo solo e voltou até a fêmea. A amarrou como pôde, e começou a arrastá-la devagar.

Estando na proteção da sua caverna se achou mais segura. Dentro dela, ao fundo, existia uma poça de água limpa, que se formava a partir dos pingos frequentes que caiam da parte superior. Aproximou a fêmea até a poça, e com as mãos começou a limpar seus ferimentos. Percebeu que seus olhos começaram a tremer, como se estivesse despertando.

A fêmea com muita dificuldade abriu os olhos. Começou a olhar ao redor, parecia confusa, sem saber onde estava ou o que havia acontecido.

Seus olhos se encontraram com os dela.

Calma, você está segura. Meu nome é Lilith, vou te ajudar. – Foi tudo o que conseguiu falar, antes que a fêmea voltasse a fechar os olhos.


Este conto é o terceiro de uma série de contos nomeada “Memórias de Luz e Trevas”, veja todos aqui.

1º Conto: A colheita Proibida

2º Conto: O conhecimento sem limites

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